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 Alberto Dines

 

Sempre objetivo, pragmático, Abrahão Koogan pareceu animado quando lhe contei que pretendia escrever uma biografia do seu mais famoso editado: “terei o maior prazer em conversar com você, o Zweig anda esquecido.”

 

Quem tinha pressa era eu: dentro de três anos transcorreria o centenário de seu nascimento (1981), e eu ainda não digerira inteiramente o magnífico livro de Donald Prater, “European of Yesterday, a biography of Stefan Zweig”, valioso paradigma de todas as biografias posteriores. Relia e anotava a primeira edição da obra completa de Zweig publicada por Koogan nos anos 30-40.

 

A Editora Guanabara há muito deixara a magnifica loja da Rua do Ouvidor onde Zweig estivera tantas vezes, agora instalada num velho prédio não muito longe, na Travessa do Ouvidor. Koogan me aguardava no escritório com algumas daquelas antigas caixas de papelão pardo destinadas ao que se chamava de “arquivo morto”.

 

Antes mesmo de falar começou a me estender maços de papeis, recortes, fotos, uma latinha com um filme em 8 milímetros e o Telephone Book, com encadernação imitando couro marrom, espiralado, em razoável estado: “Isso vai te interessar, o inglês não quis”.

 

O inglês, Donald Prater, anos antes passara alguns dias no Rio entrevistando Koogan para a sua obra precursora. Meticuloso pesquisador, não se interessou por aquela agenda de endereços, passara alguns anos mergulhado na leitura da vasta correspondência do biografado, tarefa colossal, evidentemente mais relevante. Dos tempos de repórter eu aprendera que uma agenda de endereços pode ser essencial para reconstruir vidas. Koogan percebeu meu interesse: “Vou tirar uma xerox”.

 

Tenho-a até hoje. Deve ter sido muito útil a Zweig. A mim – quase 40 anos depois – empurrou para o trabalho de campo, de rua e também para o telefone. Pendurado nele e nos catálogos de telefones recompus alguns momentos daquela vida. Alexander Graham Bell não pensou nesses atributos para o seu invento mas o Telephone Book me fez compreender a interação jornalismo-biografismo que o filólogo e crítico literário, Antonio Houaiss (amigo e colaborador de Koogan), já delineara quando lhe pedi para desfiar os segredos da boa biografia. “Não se preocupe”, aconselhou, “faça jornalismo”.

 

O Telephone Book deveria funcionar como um guia de sobrevivência no exílio, central de conexões com os dispersos. Se as cartas transatlânticas cruzassem no ritmo da  correspondência intereuropeia pré-1939, a solidão petropolitana talvez não fosse sentida e  a sensação de desamparo, menor.

 

O início das anotações para a autobiografia situa-se nas proximidades dos primeiros registros neste Telephone Book. Irmãos mas não gêmeos começaram em 1940, inseminados pela mesma premência e igual sensação de perda irreparável. Com plataformas, tecnologias e usos diversificados, são remanescentes do naufrágio do “mundo de ontem”.

 

Bagagem perdida e recuperada.

 

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