Hamburgo, 1902 — Londres, 1982

 

Banqueiro, financista, filantropo

 

Descendente de uma das mais longevas dinastias de banqueiros judeus-alemães e cuja árvore genealógica remonta às primeiras décadas do século XVIII, Siegmund pretendia seguir a carreira política, preparou-se para isso, mas a realidade alemã e o seu DNA o remeteram de volta ao mundo das finanças quando Adolf Hitler tomou o poder em janeiro de 1933. No ano seguinte estava em Londres e segundo uma das lendas – evidentemente fantasiada — chegou com cinco mil libras esterlinas e algumas décadas depois vendeu o seu império por 860 milhões.

 

Graças às conexões familiares, criou a New Trading Co. na City (da qual foi o principal reanimador), depois convertida na S.G. Warburg. Considerado o banqueiro mais culto do mundo ocidental, era profundo conhecedor da literatura centro-européia e devotado admirador de Thomas Mann, cujas obras Os Buddenbrooks e José e seus irmãos considerava semelhantes à sua história familiar.

 

Seus dois biógrafos, Jacques Attali (1987) e Nial Ferguson (2010), assim como o ensaísta George Steiner (para quem deu o mais longo depoimento da sua vida), o cumulam de títulos e epítetos, entre eles “banqueiro do povo”, por suas ligações com o premier trabalhista Harold Wilson, a quem muito influenciou para a inclusão do Reino Unido como membro integral do então Mercado Comum Europeu. Apostou no re-erguimento da Alemanha Ocidental, amarrou os japoneses à economia ocidental, ajudou a salvar a tradicional casa de investimentos americana Kuhn & Loeb (que pertencia aos parentes Jacob Schifff e Felix Warburg) e, fiel às convicções europeístas, inventou os Euro-Bonds que ajudaram a desenvolver e integrar  o Velho Mundo (a primeira experiência foi com o financiamento das auto-estradas italianas). Seus dotes de financista redobravam quando percebia oportunidades para satisfazer seus ideais. Ele próprio considerava-se um dos últimos remanescentes da haute banque numa referência a haute-couture.  Apaixonado pela causa do sionismo, tornou-se crítico ostensivo dos governos de direita de Israel que recusavam o direito dos palestinos de criar seu estado.

 

Seduzido pelas novas técnicas de gestão, foi um dos primeiros a adotar os escritórios com espaços abertos e a governança democrática. Supervisionava a seleção dos quadros superiores através de entrevistas pessoais para avaliar o grau de cultura geral do candidato. Leitor de Freud, imaginava recrutar os melhores talentos através de análises grafológicas, o que nem sempre resultou em acertos.

 

O sobrenome Warburg aparece uma única vez nas memórias de Zweig referindo-se a Aby (Abraham Moritz), tio materno de Siegmund, um dos mais importantes historiadores de arte da Alemanha e cuja formidável biblioteca serviu como núcleo do Instituto Warburg (transferido para Londres com o advento do nazismo e depois reinstalado em Hamburgo). Na correspondência de Stefan com Friderike, o financista é incluído entre os melhores amigos londrinos e consultor de assuntos financeiros.

 

A relação epistolar com Siegmund iniciou-se em 1923 com a inflação galopante como tema (“impossível estimar os valores da vida”, escreve Zweig). Na carta seguinte (1926), sobre o internacionalismo, Zweig lembra-o do papel seminal de Walter Rathenau. Apesar das diferenças profissionais, identificavam-se em quase tudo. 21 anos anos mais jovem, Siegmund via no amigo  a personificação dos valores humanistas.

 

Estreitaram as relações quando Zweig estabeleceu-se em Londres e foi incluído no círculo familiar dos Warburg. Possivelmente também Friderike. Diversas cartas do período tratam do projeto acalentado pelo escritor para uma revista cultural judaica internacional a fim de contrabalançar a ofensiva antissemita promovida por Hitler e Goebbels. Quando visitou Nova York em 1935, Siegmund abriu-lhe as portas no meio financeiro americano através do primo Felix (um dos apoiadores da JTA, Jewish Telegraphic Agency – v. verbete) para financiar o projeto.  Trocaram postais e telegramas quando Zweig foi ao Brasil pela primeira vez. E quando tentava mobilizar endossos para o manifesto anti-nazista, recorreu novamente ao influente amigo que o aproximou do cientista Chaim Weitzman (mais tarde presidente de Israel).

 

Iniciada a guerra, Warburg convoca-o para um trabalho de propaganda antinazista dentro da Alemanha, Zweig acha prematuro, mais proveitosa, segundo ele, seria uma atuação nos países neutros onde goza de grande popularidade. Impõe uma condição: livrar-se do humilhante estatuto de enemy alien (estrangeiro inimigo).

 

Warburg é o único dos amigos a quem participa o casamento com Lotte. Continuam correspondendo-se com relativa assiduidade quando deixa a Inglaterra e viaja para o Brasil. É um dos poucos que recebe o postal com a tradução dos melancólicos versos de Camões (enviado do Rio em dezembro de 1940).

 

Foi talvez o único a mandar-lhe um telegrama para Petrópolis cumprimentando-o pelos 60 anos. A última carta de Stefan para Siegmund é de 8 de dezembro de 1941. Um dia depois do ataque japonês a Pearl Harbor e da entrada dos EUA no conflito não esconde o pessimismo: “Meu grande desespero é que agora, diferentemente da primeira guerra, os intelectuais estão absolutamente impotentes”.

 

Em outubro de 1943, vinte meses depois do suicídio do amigo, Siegmund Warburg escreveu um memorando em sua homenagem. Usou o idioma alemão do qual servia-se para textos pessoais. Continua inédito.

 

Endereço na Agenda: Deerkaddun, Great Missenden, Bucks. [Buckinghamshire].